sexta-feira, maio 06, 2011

Da forma

O presidente da República portuguesa entra num auditório e a maioria dos presentes permanece sentada.

Há uma sessão parlamentar de receção a um chefe de Estado estrangeiro e alguns deputados à Assembleia da República aparecem sem gravata.

Chega-se a qualquer cerimónia oficial e cruzamo-nos com fotógrafos e repórteres de imagem calçados de ténis e vestidos com trajes que, por vezes, os confundem com arrumadores.

Assiste-se a um debate televisivo e ouve-se locutores dizer, como se tivessem andado na escola com os entrevistados: "Paulo Portas, o que é que acha..." ou "Diga-me lá, Jerónimo de Sousa...".

Por contraste, olhe-se para um sessão do parlamento britânico. Assista-se à entrada do presidente francês numa sala. Atente-se no modo como estão vestidos os jornalistas numa conferência de imprensa na Casa Branca.

Nada disto tem importância? Talvez não. Mas é também por estas e por outras, por esta perca progressiva de formalismo, que representa um desrespeito ostensivo pelos símbolos e pela representação do Estado, que certas coisas chegaram onde chegaram.

24 comentários:

Alcipe disse...

Muito bem!

EGR disse...

A propósito da forma como os jornalistas se dirigem aos entrevistados relato~-lhe Senhor Embaixdor-supondo que não assistiu- a entrevista que na quinta feira, na RTP 1, o tal apresentador da caneta em riste fez ao Ministro das Finanças, e durante a qual disse nomeadamente:"não me vai dizer que a culpa é da oposição"; "assim se chegou a este lindo estado"; " o famoso Pec 4".
A meu ver isto não forma de se tratar um governante e chega a ser
pura má educação.
EGR

margarida disse...

Ai tem importância, tem, sim senhor!
O formalismo, os códigos, os rituais, são importantes e merecem cuidado e atenção.
Ignorar, desrespeitar ou banalizar foi o que transformou para pior o país que somos.
A par de outras coisinhas de somenos. Digamos assim.
Melhoraremos? Duvido..., as criancinhas aprendem muito, mas sabem cada vez menos.
E os mais velhos estão cansados e gastos (e furiosos), vão desdenhar crescentemente tudo o que é formal.
São as revanches que se viram contra os próprios.
Que pena...

Anónimo disse...

Nem mais! Confunde-se democracia com "balda".

Isabel BP

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Como eu o compreendo. Tem toda a razão. Não porque seja o título académico que esteja em causa.
Mas sim o à vontade que o quinto poder a si próprio se consente e, também, aquilo que a escola não ensina e nem todos os pais julgam ser importante.
Igualdade na diferença não faz mal a ninguém e deve ser respeitada!

Rui Franco disse...

A perDa de formalismo "têxtil" é uma natural evolução dos tempos. Antigamente, exigir-se-ia cor preta e lencinho saindo do bolso, talvez...

(aposto que estamos a falar de bloquistas, não?)

E, quanto à questão do "à vontade" com que os jornalistas se dirigem aos políticos: não vão estes ainda mais longe? Qual é, exatamente, a razão pela qual um político pode dizer "Ó Judite de Sousa, você..." mas um "Ó Paulo Portas" já não é aceitável? - Será uma questão de casta?

(e, acabe-se, de vez, com essa coisa dos Dr.e dos Eng. - resquício dos tempos em que a estratificação social impunha semelhantes prefixos)

Curiosidade: antigamente, "Vossa mercê" era uma expressão quase de sujeição; hoje, "você" é tido como falta de educação. :)

Quanto à situação do PR, o problema é a "fulanização". A nossa sociedade está formatada para um individualismo extremo que leva a que o PR seja, apenas, "o Cavaco Silva". Para as pessoas, é sempre o homem que está ali e não um símbolo do Estado. Isto é fruto, em muito, da falta de educação cívica da população (ausência de uma disciplina escolar sobre a organização do Estado, por exemplo) e do descrédito das instituições por via do descrédito das pessoas que as compõem e dirigem.

Solução imediata? Um aviso do tipo "O Sr. PR vai entrar, é favor levantarem-se". Mas, se o próprio protocolo não o pede...

Dou por mim a pensar, muitas vezes, que nós - o Estado-Nação perfeito -, não somos bem um Povo mais mais um conjunto de gente que se limita a habitar no mesmo espaço. Não "somos", "estamos". E é esta noção que condiciona os nossos comportamentos. O PR não "é", "está lá como", hoje. Amanhã, já não está. Para além disso, há o espírito de competição inerente à luta política: "o PR eleito pelos outros, não por mim".

As gerações atuais estão perdidas para a questão do reconhecimento das instituições, por força da falta de educação e da demasiada exposição à máquina trituradora que é a comunicação social. Quanto às futuras, pessoalmente sou cético, mas pode ser que alguém se lembre de ensinar aos miúdos o porquê das coisas...

Teresa disse...

Não se vai para a cama de smoking, não se vai a um casamento de pijama, não se vai a um piquenique de vestido de seda.

Trabalhando onde trabalho, o sítio mais em foco nas últimas semanas, um aparato de carrinhas das televisões e dezenas de repórteres à porta, sempre que entrava e saía fazia-o cosida com as paredes, desejando ser invisível. Assisti a grosserias inqualificáveis, as recepcionistas merecem o Céu.
Coisas ouvidas de passagem a repórteres credenciados são mais que muitas, fico-me pela mais suave de todas: «Vêm quatro gajos a entrar» - referia-se a senhores da Troika.

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo este Post.
Só um reparo: Perda, em vez de perca.
Abraço,
P.Rufino

Julia Macias-Valet disse...

Completamente de acordo !

A minha mae diz que a educação é como o azeite...vem sempre ha superfície !

Mas para que os adultos sabiam comportar-se de forma educada e elegante em todas as situações é necessário terem tido à sua volta pessoas que lhes souberam transmitir esses valores quando eram jovens. E isso nao se aprende em Universidade nenhuma, nem em escola de Engenharia nenhuma.
Em Portugal da-se demasiada importância aos títulos académicos em detrimento do "saber estar".

É pena mas é a realidade !

Anónimo disse...

Dá que pensar...
Pode ser um fator, concordo, mas a análise tem de ser multifatorial, e honestamente não consigo calcular de imediato a ponderação no fenómeno global...

Isabel Seixas

Anónimo disse...

Concordo inteiramente consigo, mas não queria deixar de lhe dizer que "perca" é um peixe e a "perda de formalismo" está efectivamente mais correcto.
Cumprimentos
AB

Francisco Seixas da Costa disse...

Caros P. Rufino e AB:

Significados de "perca":

1. Perda, prejuízo, dano - Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

2. Perda, prejuízo, dano - Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa

3. Perda, prejuízo - Dicionário da Academia das Ciências

Teresa disse...

Abstive-me de comentar o uso de "perca", em que os meus olhos tropeçaram logo, porque achei que seria indelicado.

Bem sei que já vai sendo admissível como substantivo, por assimilação, que já venha mencionado num dicionário, mas continua a repugnar-me. Veja-se esta entrada do Ciberdúvidas, hoje o mais rápido e actuante instrumento da Língua em Portugal (a Academia, sabemos, demora eternidades a pronunciar-se):

http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=1994&template=imprimir

E, a talho de foice, aproveito para fazer um desabafo. O Senhor Embaixador sabe que só recentemente conheci o seu blogue. E o título desta sua entrada, Da forma, não podia agora calhar melhor. O conteúdo cativou-me de imediato. A forma causa-me sempre estranheza, mesmo avisada de antemão pela mensagem na barra lateral de que aqui se aplica o Acordo Ortográfico.

É pena que não tenha aqui um endereço de correio electrónico, poderia dar explicações mais detalhadas em privado. O que posso dizer é que resistirei à aplicação do Acordo até ao último minuto possível (e está cada vez mais próximo), a partir daí terei de me subordinar, ou escreverei com erros - não embarco nessa de "eu cá vou escrever como sempre escrevi", que, só por acaso, muitas vezes até vem de quem escreve com erros medonhos.

Não querendo publicitar-me, gostaria de conhecer a sua opinião (e, já agora a dos seus comentadores) sobre esta questão. Escrevi algumas coisas sobre o assunto, todas reunidas numa etiqueta, no meu blogue. A mais alongada e em que sou mais explícita, é esta:

http://gotaderantanplan.blogspot.com/2008/04/desacordo-ortogrfico-trinta-moedas-de.html

diogo disse...

e mesmo assim os políticos dão as entrevistas porque precisam de passar a mensagem .
não somos nós que não respeitamos os políticos . eles é que não se dão ao respeito , e com tantas mentiras ...fazer o quê ??

Anónimo disse...

Esta evolucao da forma é inteiramente compreensível. Nós, os portugueses, sempre passamos muito facilmente do “oito para o oitenta”. Paralelamente, passamos do “Senhor Doutor” para o “tu cá tu lá”.
Francisco F. Teixeira

Júlio Moreno disse...

Não poderia estar mais de acordo com o que comenta. A meu ver, do que talvez se trate é de uma ultra-democracia que muitos, sempre na vanguarda da excentricidade ou do modernismo, insistem em praticar e nós, pobres coitados, ainda não tivemos tempo nem talvez coragem para "digerir".
O eterno Portugal dos excessos!...

Anónimo disse...

Tem toda a razão. Não está directamente ligado, mas a forma como os jornalistas se vestem, condiz com a qualidade do trabalho de muitos.

Anónimo disse...

Ai Catinga que gosta do "Pai Tirano" e depois acha que somos todos iguais...não leu "O Triunfo dos Porcos". E acha que o formalismo é só "textil". Na sociedade não há estratificação? Pois é, nos países anglo-saxónicos as pessoas tratam-se pelo primeiro nome, não há os tais doutores ou engenheiros, mas isso muda alguma coisa? Ainda não entendeu que quem regula a importância das pessoas são os outros e não os títulos? E quanto à educação, casa um tem a que tem.Políticos e jornalistas...

Anónimo disse...

Estes comentarios e comentadores traduzem a importancia e relevo da "coisa"...

Cpmts

Anónimo disse...

Não entendi o comentário do Sr(a) Aires...

Isabel BP

Victor Cabral e Silva disse...

Básicamente concordaria, mas se os politicos não quiserem ser tratados como bandalhos convinha que o não fossem. Recordo o Aleixo:

"Sei que pareço um ladrão
mas há muitos que eu conheço
que sem parecer o que são
são aquilo que eu pareço"

ECD disse...

Claro que tem importância. Como tem importância a menina do ginásio quando me entrega as toalhas no balcão da entrada dizer do alto dos seus 25 anos: "bom treino E."!

Como EGR registo a grosseria do rapaz que entrevistou o Ministro da s Finanças. Alias, parece que no seu peculiar estilo de "jornalista incisivo"* a ceneta em riste está para o estilo como a cereja para o bolo!

jvcosta disse...

Faz ideia do que é eu ser Chefe de Protocolo de uma universidade? Com uma data de gente que acha que cerimonial é parvoíce? E tão importantes que nem aceitam sentar-se no lugar que lhes foi reservado, ou só usar as condecorações de acordo com as normas do protocolo, ou usar o traje académico sobre camisa aberta e jeans, etc?

Rui Franco disse...

"Anónimo", não entendi nada do seu comentário (provavelmente, porque não terá entendido nada do meu) mas... como nesta casa somos convidados, não ficará bem pisar a relva...

O outro lado do vento

Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...