quinta-feira, fevereiro 09, 2012

As contas

Um dia, no auge da negociação do tratado de Amesterdão, em 1997, o atual comissário europeu Michel Barnier, que ao tempo era ministro francês dos Assuntos Europeus, trouxe para a mesa um tema então quase "tabu": as diferentes contribuições financeiras dos países para o orçamento comunitário e o modo como isso poderia, um dia, vir a refletir-se na força de relativa dos países no processo decisório.

O assunto surgiu porque os países mais pequenos, como era o caso de Portugal, resistiam então a alterar, sob pressão dos grandes Estados, o poder de voto que tinham negociado aquando da sua respetiva entrada para as instituições comunitárias. Por essa altura, a opção que se discutia era a combinação do poder de voto com uma relativa ponderação do peso populacional de cada Estado. A França não gostava da ideia, porque isso abalava o equilíbrio formal de poder que mantinha com a Alemanha, desde a criação da CEE. E Michel Barnier notou, num tom que se pretendia de aviso aos Estados mais pobres, que se fôssemos por caminhos de fatores de diferenciação objetiva, então, mais cedo ou mais tarde, acabaríamos por ter também de considerar a desigual contribuição financeira dos Estados para o orçamento comunitário.

Confesso que a fria invocação do argumento me chocou, porque era a primeira vez que via fontalmente expostos por um responsável político, embora num quadro de discussão não pública, os limites da solidariedade intracomunitária. O argumento era rebatível em termos políticos e económicos, nomeadamente com as vantagens diferenciadas que os grandes países retiram do mercado interno, bem como de outros fatores, que não deixei de mencionar, de imediato, à mesa do debate. Mas a conversa parou por aí.

Nos últimos meses, ao observar o modo como alguns Estados tomaram conta, na prática, da gestão das contas da União, tenho vindo a pensar um pouco mais na premonição de Michel Barnier. Que acabou por se concretizar, mesmo sem uma mudança formal dos tratados.

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Embaixador ,

Na Ex União SOvietica, onde a economia era toda estatizada e onde os habitantes das varias republicas eram considerados iguais e com os mesmos direitos e devedes e debaixo da mesma doutrina politica, haviam grandes diferenças e imperava a corrupção.

Depois de desmoronar a União, viu-se as diferenças dos vários Estados. Ou seja a Russia ficou com tudo e os restantes sem nada e na miséria profunda! Repare na diferença entre a Moldávia, o pais mais pobre da Europa e a Ukrania sua vizinha . Ou veja a diferença entre a Estónia e o Azerbeijão!

Aquela União foi uma União para explorar os povos e fazer limpezas etnicas através dos Gulag´s e das Guerras e quando o trabalhinho ficou feito foi desfeita a União.

A nossa União que lhe chamam Europeia também tem contornos semelhantes. Em vez de termos Moscovo , temos Bruxellas/Berlim/Paris.

Portugal ocupa o lugar da Moldávia na ex União Sovietica.
Sem produção industrial e totalmetne dependente dos outros . Nem a comida conseguimos produzir, resta-nos a emigração, como muito bem o nosso 1º Ministro aconselhou !

Com mais reunião ou menos reunião , com mais ideias ou menos , o nosso destino é a miséria, as convulsões sociais e a guerrilha urbana. Vamos ter também uma primavera Egipcia ali na cintura urbana de Lisboa.
As forças Armadas já avisaram ! Ninguém reparou e até o próprio Otelo já tinha avisado ! A coisa vai-se compondo!
Há muita gente a trabalhar para que isso acontece e sobretudo aconteça no momento certo. Eu não acredito em bruxas, mas que as há lá isso há !!

OGman

Anónimo disse...

Em 1995/97 já muito do tecido industrial (obsoluto ou não) se deslocava para países "mais baratos" ou fechavam simplesmente para os custos da produção entrarem directamente nos Mercados bolsistas, com rendimentos fáceis e sem impostos... Ficou caro continuar uma política solidária por exemplo com as zonas ultraperiféricas, embora nestas datas ainda recebessem rasgados elogios de cada comissário europeu que as visitava fosse em trabalho, fosse porque aquele remanço quase africano lhes temperava as férias com a família. Obras ao tempo feitas nessas regiões mais caras que nas planícies continentais... Concerteza! Tão importantes que com inteligência e sem pieguises aconselho qualquer português que conheceu as dificuldades das populações locais antes dos "bonitos túneis" que releve ou esqueça mesmo, os reparos de quem ao tempo desconhecia a vida das populações das regiões periféricas da Europa. Que nos últimos anos tenha havido betão a mais de acordo, mas nunca nos túneis nem no aeroporto... Lembra-se, Senhor Embaixador, do tempo em que Bruxelas mandava os excedentes das verbas que não chegavam a ser aplicadas em Portugal continental, para a Madeira, lugar de exemplo de boa e rápida execução dos projectos "sempre" aprovados pela CEE? Só que agora não há dinheiro e, todos ralham, mesmo quando não o fazem com razão: institucional ou moral...

Francisco Seixas da Costa disse...

Todos os projetos nas regiões autónomas que foram financiados por fundos comunitários foram objeto de uma decisão da União Europeia, sempre por propostas fundamentadas pela Comissão Europeia. Se acaso as verbas foram utilizadas onde não deveriam ser, ou se outras prioridades deveriam ser consideradas, a responsabilidade é das instituições comunitárias. E como essas instituições estão enxameadas de alemães, o mínimo que podemos dizer é "organizem-se"!

Anónimo disse...

Com a invasão da política por economistas e gestores com mba, passámos a ser governados por gente que só pensa em dinheiro e capaz de pôr uma "price tag" até na liberdade.

Os critérios de diferenciação orçamental de que fala já estão a ser postos em prática. Se me é premitido o exagero: se fosse hoje, Hitler não teria de ter uma frente ocidental, bastar-lhe-ia negociar com Cameron a neutralidade do Reino Unido.

DL

Armando Pires disse...

Sr. Embaixador
Que desilusão, então eu a pensar que os alemães eram organizados e vai daí, são simples e tão mortais quanto nós.

Anónimo disse...

No caso português, prestes a ser um país do norte de África, estavamos à espera de quê? Tudo isto faz-me lembrar aqueles condóminos, que pela sua permilagem, pagam menos mas, aquando do poder de voto querem equidade.

Esta postura pueril dos países mais pobres, que por circularem nos meios ricos, se julgam com direitos iguais, é das ingenuidades mais patéticas que tenho visto.

E desculpem-me a frieza; solidariedade!? Na minha opinião, solidariedade só deve existir em situações alheias à nossa vontade: catástrofes, epidemias, etc.

Sempre ouvi dizer: "se queres ser independente, não dependas a não ser de ti"

patricio branco disse...

portugal=moldavia, russia=alemanha, não está mal.
como se equaciona o peso dum estado na união? população, pnb, contribuição, área? Todos iguais, todos diferentes? um “conselho de segurança” europeu e membros com direito a veto? para lá caminhamos?

as declarações de angela merckel sobre a madeira revelam desconhecimento e são intromissoras, excedeu-se. Agora não só se pronúncia de modo geral sobre a administração de países como grecia ou portugal, vai ao ponto de fazer juízos sobre uma pequena região (na superfície) periferica estrangeira.
pareceria que merckel acha que as boas estradas, túneis e viadutos são só para a alemanha (que deve ter a melhor rede estradal da europa), não para a Madeira e madeirenses que deviam continuar sem desenvolvimentos e com as pobres e perigosas estradas que tinham em 1986.
a m ignora ainda que a Madeira foi uma das poucas regiões de portugal que soube administrar, planear e aproveitar os fundos estruturais europeus com eficácia?
o governo regional já emitiu um comunicado correcto e condigno.

Anónimo disse...

Patrício Branco, nem sabe como me fez bem com o seu comentário sobre a Madeira e os madeirenses que palmilharam a ilha por "carreiros" e pelas "bermas das levadas" para não se perderem no labirinto da vegetação e chegarem mais depressa às povoações ou ao médico... Madeirenses que também cruzaram os mares e desbravaram sítios inóspitos da Venezuela e da África do Sul, aonde agora desembarcam prazenteiramente os dirigentes dos países mais prósperos da Europa. Não se preocupem com a Madeira, que realmente aproveitou MUITO BEM, os fundos comunitários, que serviram (se necessário for) para serem o Mónaco da Europa. Não é impossível. Pessoalmente já vi muita coisa mudar aonde ninguém apostava nada: o Sul da China; que imitou nas infra-estruturas os Novos Territórios de HONGKONG e as pontes de Macau!Será que incomoda aos ricos verem os "pobres" mais limpinhos, asseados e vestidinhos com gosto? Mas se não o sabem, esclareço que foi sempre assim: madeirenses trabalhadores, esforçados mas sempre briosos, que tiveram os discos dos Beatles primeiro que Portugal continental, e, que por deferência têm o iate deles, junto ao cais do Funchal, aonde os gelados se derretem deliciosamente ao som daquelas melodias dos anos 60... Se fizerem o favor de visitar a ilha e mesmo o arquipélago vão compreender muita coisa como: espaços aéreos que dão uma verba substancial a Portugal de cada vez que alguma bandeira cruza as rotas obrigatórias para as américas, as áfricas e a Gronelândia. Julgo que sabiam, mas para que não se esqueça...

Maduro e a democracia

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