sexta-feira, outubro 28, 2016

Jogar pelo seguro


Salvo para alguns inimputáveis, preparados para brincar com o fogo, não existe uma real alternativa de bom senso na eleição presidencial americana. Se Hillary Clinton está muito longe de entusiasmar as hostes, é em geral reconhecido tratar-se de um “safe pair of hands” que garante que a potência determinante à escala global fica sob um controlo responsável. Este texto parte, assim, do pressuposto que Hillary Clinton será a próxima presidente americana.

Depois das aventuras da administração Bush filho, os dois mandatos de Obama mostraram uma América num dos seus ciclos regulares de retração estratégica. Sair logo que possível do Afeganistão e do Iraque, readequar o discurso da guerra anti-terrorista e tentar sarar algumas feridas abertas pela administração divisiva que o precedera – tal era o projeto visível de Obama pelo mundo. A Europa deixara aparentemente de figurar nas prioridades essenciais de uma política externa que olhava a Ásia e o Pacífico como o destino futuro de atenção. A Rússia parecia controlável nas suas ambições.

Os acontecimentos, esse regular obstáculo dos políticos, atrapalharam as previsões. O destino desigual das “primaveras árabes” e a desregulação do Iraque, gerou impactos imprevisíveis em todo o Médio Oriente, criando um caos cuja resolução não era conforme com a política de “no boots on the ground” que os EUA se obstinavam em manter. Os aliados ressentiram-se. Israel e a Arábia Saudita desconfiaram da eficácia do apaziguamento de Washington com as ambições nucleares do Irão. A Turquia mostrou-se um parceiro errático. A Rússia de Putin afirmou-se como uma potência oportunista, jogando na certeza de que a resposta ocidental aos seus avanços estratégicos ficaria sempre aquém das armas. Provou ter razão na Ucrânia, como já testara na Geórgia. A NATO, esse heterónimo militar dos EUA na Europa, teve de reganhar agressividade verbal e visibilidade do seu dispositivo. Os EUA não conseguiram recuar tanto quanto tinham planeado, o que também não foi facilitado por uma União Europeia descredibilizada e crescentemente dividida.

Oito anos depois de um ridículo prémio Nobel da Paz, dado “avant la lettre” como uma espécie de investimento na esperança, o balanço da política externa de Obama é claramente pífio. O mundo não está mais seguro do que estava na data da sua posse. É indiferente se a culpa é ou não de Obama, o que contam são os resultados. E esses são maus.

Hillary Clinton não herda a diplomacia de Obama, recebe também o resultado dos erros que ela própria cometeu, de que o caos na Líbia é talvez o caso mais flagrante na nota de culpas que merece pelo tempo em que geriu o Departamento de Estado. Quando aí chegada, Clinton olhava a prioridade Ásia-Pacífico como central na estratégia diplomática pós-Bush. O “braseiro” do Médio Oriente impôs-se e estragou esse desígnio. O seu saldo não foi brilhante.

Que fará Hillary Clinton pelo mundo, uma vez chegada à Casa Branca? A mais republicana candidata que os democratas podem produzir vai, ao que tudo o indica, agravar as tensões com a Rússia, que dá sinais de estar já a contar com isso. Se assim acontecer, uma parte da União Europeia exultará, outra hesitará em acompanhá-la até ao fim. A União pode dividir-se neste particular e a América, que se mantém um poder europeu, confirmará o seu tropismo para partir ou unir o velho continente, de acordo com os seus interesses. Nada que seja verdadeiramente novo.

Mas o grande teste imediato de uma administração Clinton passa pela Síria e pelo modo como aí lidará com uma Rússia que já mostrou que prefere ser temida a respeitada. Há quem diga que a Turquia pode funcionar como ”subcontratado” dos EUA na região. Recuperar a confiança do mundo sunita (com a Arábia Saudita à cabeça) e de Israel é outra das tarefas essenciais na região.

Resta... o resto: o futuro dos acordos comerciais inter-regionais, a substância efetiva da política Ásia-Pacífico e o modelo de relação futura com a China (com o crescente problema da Coreia do Norte no horizonte) e com a India nuclear, as alianças preferenciais numa Europa pós-Brexit, a definição da filosofia de ação externa, entre o proselitismo democrático e a “realpolitik”, etc.

Tempos interessantes, como diz a velha expressão chinesa que os ocidentais adotaram. E perigosos, pelo que vale a pena jogar pelo seguro e o seguro é Hillary Clinton.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")

5 comentários:

Anónimo disse...

o seu artigo é a comparar com o de jaime nogueira pinto ontem no dn

são parecidos apesar das nuances que os separam, mesmo no final.

cumprimentos

Luís Lavoura disse...

Parece-me de muito mau gosto dizer que Clinton é um "safe pair of hands" quando se reconhece, como o Francisco faz nesse post, que os resultados da política externa de Obama, por ela gerida durante quatro anos, foram "pífios", e que o munod está hoje tão perigoso.
Eu diria que Clinton é tudo menos "safe", pelo contrário, ela é extremamente perigosa.
Eu, como português, que se está nas tintas para a política interna dos EUA mas não se está nada nas tintas para a segurança internacional, estou extremamente temente do que aí vem.

Anónimo disse...

como português... porque se fosse espanhol, claro, tudo seria diferente...

olé!

Joaquim de Freitas disse...

Hillary ou Trump, onde está a diferença? A inconsistência de Trump é equivalente à carreira catastrófica de Clinton. Mas de certeza, que qualquer que seja o eleito/a, a casa América será ingovernável. As hostes dos dois campos não tardarão a lançar uma campanha de descrédito, na qual passarão muito tempo e energia, como fizeram com Obama quando este foi eleito e que durou até ao fim.

A indecisão será a marca da Casa Branca. Porque a herança é terrível:
Os Americanos são menos protegidos, menos prósperos e menos livres que no início do século.
Incoerências e confusão ao máximo.

O novo presidente deverá gerir 12 guerras, que se sobrepõem, por vezes, na Síria. Arábia Saudita em guerra com o Irão, rebeldes e mercenários estrangeiros em guerra com Assad, Hezbollah, milícias shitas iraquianas e iranianas com os rebeldes, islamistas com secularistas, mercenários estrangeiros com Daesh, shitas com sunitas, curdos com árabes, curdos com curdos, turcos com curdos, e os EUA separadamente em guerra com Assad, e com os Russos.

Os EUA alinham directa ou indirectamente com e contra Assad, com e contra os rebeldes, por vezes com a Turquia e por vezes com os Curdos, mas sempre contra os Russos.
Ah, e não esquecer Israel, que bombardeia os Sírios, quando lhes apetece, apesar das lágrimas de crocodilo quando as bombas caiem em cima das ONG e a Cruz Vermelha.

O resultado da política exterior dos EUA foi de perpetuar a anarquia e a mortandade na Síria alimentando esta guerra com mais e mais material para toda a gente, ao ponto que por vezes os beligerantes combatem com as mesmas armas, da mesma origem. Grande caos made in América:

Iraque, Síria, Líbia, Iémen, Afeganistão, destabilizados e destruídos. 500 000 Mortos na Síria, 11 milhões de refugiados.

Mas o grande escândalo é a ligação com Israel, que é agora uma das nações mais ricas do planeta, que domina a região do ponto de vista militar, à qual os contribuintes americanos pagam 3,8 milhares de milhões de dólares nos próximos dez anos.

Mas quem subsidia Hillary?

Anónimo disse...

Sou eu que subsidio a Hillary, its me!
Mas nao convem dizer a ninguem, é um segredo
Que nada se saiba, nem por ninguém nem por si
caro Freitas, se nao vai para o degredo
para uma prisao de tipos das direitas
horrivel castigo
partilhar a cela com uns tipos de gravata
que conhecem de cor a metereologia das bolsas
e fazem loas ao passos e ao schauble
por isso caro freitas
cuidado consigo
o melhor é preocupar-se com as minhas receitas
comecem os vivas
acabem-se as perguntas e sera recompensado
vivera neste nosso mundo mais um bocado
sentado na sua casinha a apreciar o serao
e ver umas guerras pela televisao
mas nao se esqueca meu caro
bico calado

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