domingo, outubro 18, 2009

O francês

O óbvio declínio do estatuto da língua francesa no mundo é algo que, com grande frequência, tenho sentido como uma preocupação entre amigos franceses. E que é igualmente um motivo de tristeza para quantos, entre os portugueses da minha geração, se habituaram a ter o francês como a primeira língua estrangeira de cultura. Mas a vida é o que é e até os franceses têm hoje de se resignar com a prevalência do "soft imperialism" da língua inglesa.
Há duas semanas, o papel global relativo do português e do francês esteve em debate em Paris, durante um dia, numa iniciativa realizada na Maison de l'Europe, sob o impulso das delegações da Comissão Europeia em Lisboa e em Paris. Figuras interessadas de ambos os países animaram um debate onde se juntaram perspectivas bastante realistas com outras que, pelo menos no breve período a que pude assistir, relevavam muito de uma visão marcada apenas por um simpático voluntarismo sem visão prospectiva sólida. De qualquer forma, esta é uma temática que há vantagem em tentarmos continuar a seguir e a aprofundar, porque, em ambos os casos, tem muito a ver com questões culturais identitárias que se interligam e a que nos importa estar atentos.
A este respeito, descobri hoje na internet um texto de Guy Sorman, um autor francês. (Não conheço muito de Sorman. Por um mero acaso, comprei, há menos de um ano, numa livraria de Buenos Aires, uma sua obra, curiosamente em "contra-corrente" às ideologias do quotidiano mediático, intitulada, na versão argentina que tenho, "La economía no miente", onde se releva a importância dos mercados em tempos de crise). Sorman escreve agora, de Lisboa, um texto sobre a questão do francês no mundo, onde refere o estatuto de que hoje essa língua dispõe em Portugal.

No artigo, o autor nota, de passagem, que "le Portugal déteste se percevoir en petite nation". É uma nota curiosa, mas talvez Guy Sorman, com o tempo, venha a entender melhor que essa reacção se deve apenas à circunstância de, de facto, não sermos uma pequena nação - também por razões de natureza cultural e estratégica que não faria mal serem reflectidas pela própria França.
Leia o texto de Guy Sorman aqui.

7 comentários:

Anónimo disse...

Senhor Embaixador:

O tema do "declínio" da língua francesa merece, de facto, atenção, e resulta de causas objectivas muito concretas, que têm muito mais a ver com realidades geo-políticas e geo-económicas, do que com qualquer "declínio" civilizacional da velha França. Contrariamente ao que dizem muitos - entre os quais, possivelmente, o próprio actual presidente gaulês - não tem nada a ver com Maio de 68, mas sim com outro Maio, bem mais trágico: Maio de 40!
A menor influência cultural francesa é, para Portugal - e é neste plano que o fenómeno me merece referência e tem importância -, um verdadeiro desastre, não pelo declínio em si - que seria sempre mau, ou não continuasse a França a ser um país na vanguarda do desenvolvimente técnico e científico -, mas porque a sua influência, entre nós, está a ser, pouco a pouco, substituída por uma presença crescente do castelhano, o que colocará, a seu tempo, questões que vão muito para além do simples plano cultural e linguístico... Neste particular, conhecerá V. Exª certamente a actividade incansável dos seu colegas espanhóis em Lisboa, para que o castelhano fosse introduzido no sistema de ensino português, o que conseguiram, em 1996, sem que o governo do Engº Guterres se tivesse dado à maçada de exigir igual estatuto à língua portuguesa, em Espanha. O resultado de tal cedência - também aqui, estou seguro que V. Exª perceberá melhor do que ninguém, o sentido da palavra "cedência" -, que na altura passou completamente despercebida aos plumitivos do costume e ao público em geral, está agora à vista de todos: o desaparecimento acelerado do francês do nosso sistema de ensino, seguindo as pegadas do alemão (já não falo sequer do latim e do grego), por força do que do pior tem a idiosincrassia nacional: um gosto marcado por soluções de facilidade - é notório que aprender espanhol dá menos trabalho do que aprender francês ou alemão - e um snobismo social que atinge todas as camadas da população - falar francês deixou de ser a marca de uma educação esmerada, colhida no Liceu Francês ou com preceptora de família, sinalizando "boas" famílias, para remeter a uma possível filiação emigrante, com tudo o que isso tem de desqualificador social.
O crescendo de influência cultural espanhola - e, atrás da cultura vem muitas vezes o resto... - , eis aqui uma consequência do tal "declíneo" da língua francesa, com relevância para as relações externas de Portugal e para o seu porvir como País livre e independente - para o múnus profissional de V. Exª, portanto - o que certamente não o deixará indiferente, a fazer fé no esclarecido texto que publicou recentemente no CM (e também reproduzido neste seu blogue), a propósito duma disparatada sondagem de recorte iberista.
"Tudo tem a ver com tudo", dizia um saudoso professor, que muito me ensinou. O tal "declíneo" não deveria ser indiferente a Portugal e aos portugueses e tem incidências para o seu futuro.
Apresento cumprimentos a V. Exª, como seu leitor atento, com votos de continuados sucessos profissionais e bloguistas.

A. Costa Santos
apacs04@hotmail.com

Helena Sacadura Cabral disse...

Surpreende esse comentário vindo de Guy Sorman que, até do ponto de vista dos seus conhecimentos historico culturais, não deveria fazê-lo.
Mas em França, sinto-o algumas vezes, Portugal é ainda o fornecedor de mão de obra menos qualificada. O que é o contrário do que hoje se passa e a França sabe-o bem!

ECD disse...

Pois é! Desta perda de importância do francês muitos portugueses que já estão na casa dos sessenta anos também se ressentem; entre outros aqueles que, como eu, embora sendo capazes de ler com facilidade um texto em inglês e de manter uma conversa com um interlocutor em inglês não têm suficiente à vontade para falar em inglês, por exemplo, num colóquio. No meu caso, desde que o francês deixou há meia dúzia de anos definitivamente de ser língua de trabalho em colóquios internacionais, fiquei quase reduzido a participações em colóquios realizados em “países de língua oficial francesa”.... e mesmo assim preciso, em alguns casos, de ver bem se o francês é permitido! Aliás como em Portugal em que em qualquer colóquio internacional por mais “internacionalmente manhoso” que seja não é nada de bom tom não falar em inglês.

Só não dou barato o “toque” chauvin de Guy Sorman – na sua área, um bom autor – por que foi precisamente pela “recorrente” incapacidade de colocar no mesmo plano o “ outro” .... que o francês se foi perdendo primeiro como língua de comércio e de contactos e, mais recentemente, como língua de cultura. Todavia, o claríssimo e sistemático não colocar pelos anglo-saxónicos do “outro” no mesmo plano, pelo contrario, só contribui para o reforço da liderança do inglês! ... é, simplesmente, o resultado das relações de força eco -geo-politicas no mundo globalizado pateta!

Alcipe disse...

Também já ninguém toca piano...

Helena Sacadura Cabral disse...

Prezado Costa Santos o seu texto é muito esclarecedor da indiferença nacional a certos temas. Importamos médicos espanhóis que vêm aqui fazer o internato e exportamos alunos de medicina para Espanha que, em grande parte dos casos, por lá ficam. Este é, também, entre nós, um dos motivos da crescente aprendizagem da língua.
Estou inteiramente de acordo quando refere o lamentável desaparecimento do latim, outra prova do laxismo a que o nosso ensino vem sendo remetido. Tudo para "melhorar os resultados esttísticos nacionais"...

Alcipe disse...

Sou o primeiro a lamentar a decadência do francês, como francófilo irrecuperável que sou... Mas temos que reconhecer que esta língua perdeu peso internacional. É a vida...

Temos é que defender o papel da nossa língua portuguesa no mundo.

Anónimo disse...

Interessante comentário, este de HSC. Quanto ao Latim, lamento igualmente. Desconhecia que tinha sido erradicado do nosso ensino, enfim, não sigo lá muito em detalhe o que constituí o menu" que dão hoje à rapaziada. Aprendi-o, era bom aluno, apreciei estudar, foi-me útil. Pelos vistos sou pré-histórico! Não me importo. Nada mesmo.
P.Rufino

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