domingo, abril 15, 2018

A festa grisalha


Ontem, em Coimbra, almocei com um grupo de umas dezenas de vila-realenses, natos ou adotivos, que comigo têm de comum o facto de terem passado um dia pelo velho Liceu Camilo Castelo Branco. 

Alguns são do “meu tempo”, outros mais velhos, nenhum é de uma geração mais jovem. Somos, assim, os últimos nesta bela aventura de amigos. 

Ao longo dos anos, em que por razões atendíveis fui muito relapso, alguns foram desaparecendo dos encontros, outros, nos dias de hoje, já não podem comparecer. Sei lá bem porquê, “eles” são sempre bem mais facilmente identificáveis do que “as belas do meu tempo”, para utilizar o qualificativo clássico do Fernando Assis Pacheco. Há caras de que me lembro muito bem, sem contudo lhes conseguir colar um nome. Outras, permanecem um mistério. Ainda outras, saltam-me de repente à memória, chamando episódios, mais ou menos recortados de verdade ou fantasia. Estas são sempre jornadas com muita graça, de saudável nostalgia, de que cada um leva para casa retratos falados muito diferentes.

Pelo que me toca, fico muito grato a quantos conseguem, generosamente, juntar-nos e organizar estes encontros. Nunca lhes agradeceremos o suficiente.

Ontem, encontrei por lá o Ilídio. Demos conta de que já nos não víamos vai para quatro décadas. Nesse tempo de liceu, ele era uma figura imensa, um bom “gigante”, que sempre revejo embrulhado na capa preta, arruando pelos Primeiros de Dezembro. 

O Ilídio era uma fator de ligação entre todos nós, tinha uma grande paciência para os mais novos, em que eu me incluía. Tinha uma graça infinda, a que a sua figura física ajudava, e disso dava testemunho nos “saraus” estudantis desse primeiro dia do último mês do ano. Para a história académica de Vila Real, ficaram para sempre os seus mano-a-mano com o Zé Amaral, diálogos que, estou certo, o eterno encenador dessas sessões, o Achilles, não conseguia controlar nem disciplinar.

Grande Ilídio! Combinámos encontro para o próximo Primeiro de Dezembro. Etapa a etapa se faz a caminhada, companheiro, por mais dura que ela às vezes vá sendo. Até lá, caro Ilídio!

O Nintendo e o álcool


Este aparelho com quase três décadas ajudou-me a perceber uma coisa essencial.

Creio que em 1990, em Londres, houve alguém que me ofereceu um “Game Boy”. Em semanas, nele me tornei um especialista no jogo “Tetris”, com resultados cada vez mais espetaculares, que me tornavam orgulhoso dos meus reflexos. Batia recordes uns atrás dos outros e a abstração das chatices que a máquina me proporcionava constituia-se como um agradável fator des-stressante de desconcentração.

Um dia, porém, comecei a constatar que, sempre que praticava o jogo depois de um jantar, com vinho seguido de um whisky, um cognac ou um vodka, os meus resultados, por mais que tentasse, nunca eram tão notáveis. 

E dei comigo a pensar: se isto sucede com o “Nintendo”, como estarão, realmente, os meus reflexos na condução do meu carro, depois de uma refeição bem bebida? Os tempos (ainda) eram outros em termos de controlo de taxas de alcoolémia (e os diplomatas eram menos escrutinados), mas eu aprendi rapidamente a lição. Felizmente sem custos...

Onde é que andará o meu “Nintendo”?

sábado, abril 14, 2018

Os raios do “Sol”


O “Sol” zangou-se hoje comigo. Por, neste blogue, eu ter antecedido o nome do jornal de um inocente artigo “o”, e por ter cometido a graça de qualificá-lo de “clandestino”. E lembrou, não fosse eu esquecê-lo, que me entrevistou um dia, em 2016.

Não se amofine o “Sol” por tão pouco! 

A referência ao artigo é manifestamente um preciosismo, eufemismo para picuinhice, ó “Sol”! Ficou-me de um programa radiofónico dos “pioneiros” do MPLA, que se chamava “O Sol”. É que pensei que não se importassem, mosquitos me mordam! 

O termo” clandestino”, que é uma palavra com uma história muito nobre, foi usado a propósito das baixas tiragens que me consta que o jornal está a ter, pelo facto de não conseguir consultar em parte alguma esses números (mas admito que seja defeito meu). Se e quando houver números comprovados para aqui apresentar e comparar, estou ao dispor!

De uma coisa pode o “Sol” estar descansado: cá em casa, chova ou vente, o “Sol” entra em todas as manhãs de sábado. Não será por minha culpa que as tiragens não sobem!

“Olhar o mundo”



Gravei há poucas horas aquela que foi a minha última participação regular no programa de relações internacionais “Olhar o Mundo”. O programa pode ser visto este sábado, às 14.30, na RTP3.

Foram mais de quatro anos de conversas com Antonio Mateus, a quem agradeço a amável hospitalidade que deu às minhas opiniões. Tive um imenso gosto em fazer parte desta bela aventura televisiva.

Embora com assumida nostalgia, tomei a decisão de pôr fim a esses comentários, por ter constatado, de forma crescente, uma incompatibilidade entre as datas de preparação e gravação do programa com outros compromissos por mim assumidos, muitas vezes fora de Lisboa. No calendário dos próximos meses, novas sobreposições vinham já a caminho.

Quero agradecer a constante adaptabilidade do António Mateus e dos meus companheiros de programa, ao longo dos últimos anos, alguns dos quais, por mais de uma vez, sacrificaram as suas agendas em benefício da minha. 

Esse “dream team”, um magnífico grupo de especialistas de relações internacionais, teve ao longo do tempo Ana Isabel Xavier, Catarina Albuquerque, Felipe Pathé Duarte, Luis Tomé, Monica Ferro, Teresa Anjinho e Tiago Moreira de Sá. Foi para mim um privilégio trabalhar com esta nova e competente geração de académicos. Em todos, sem exceção, fiz excelentes amigos.

Felicidades para o “Olhar o Mundo”, um excelente programa, como não há outro na cena televisiva portuguesa, que ajuda a interpretar a vida internacional, com rigor, independência e seriedade.

Em tempo: afinal, o programa passou para as 11.30 de domingo... Se não houver uma transmissão de uma partida de matraquilhos! 

sexta-feira, abril 13, 2018

13

Para sexta-feira 13, o dia até não correu muito mal...

Marvila


Há não muitos anos, se alguém dissesse, em Lisboa, que havia algo de divertido para fazer em Marvila passava por lunático. 

De Xabregas ao Beato, passando pelo Grilo, do Poço do Bispo a Marvila, a Lisboa oriental era apenas um amontoado de fábricas, silos, armazéns e casas de uma vida suburbana sem qualidade. Depois, já mais para longe, era o Braço de Prata, a Matinha, Cabo Ruivo e Beirolas - hoje, o Parque da Nações, ainda Expo para muitos.

No meu tempo de faculdade, em que vivia nos Olivais, ia de manhã cedo a Moscavide apanhar o “28” para o Restelo, que me iria deixar na Junqueira. Para lá chegar, porém, tinha de começar por atravessar toda essa zona. 

No autocarro, cheio de gente sonolenta, fechávamos bem os vidros para inspirar, o menos possível, o cheiro que nos vinha com o fumo das refinarias da Sonap, olhávamos o cais abandonado onde jazeu por muitos anos a carcaça do último hidroavião para a Madeira, fazíamos graças entre nós sobre um eventual uso de uvas nos armazéns de vinho do Abel Pereira da Fonseca, víamos os motoristas “aviarem-se” no urinol (ainda lá está, é o último de Lisboa, creio) no largo do Poço do Bispo. E, bem incómodos, no irregular do empedrado, íamos como sardinhas em lata verde da Carris, na caloraça do verão ou no gelo húmido do inverno. Nem com esforço tenho saudades desses tempos, confesso!

Olhei há pouco a capa da excelente “Evasões” de hoje e fiquei a saber que Marvila - onde foi criado o histórico Oriental, o Clube Oriental de Lisboa - agora está na moda. Galerias, lojas, restaurantes, um mundo novo! 

Grande Lisboa!

Olá, vizinho!


As plantas do horto estavam, há minutos, a entrar-lhe para a nova casa, a dois passos da minha.

“Soyez le bienvenu” ao bairro, Eric Cantona!

Tiago Moreira de Sá


Tiago Moreira de Sá tem sido, desde há anos, um companheiro no grupo que, a convite de António Mateus, faz o “Olhar o Mundo”, na RTP.  É um professor universitário que tem já importante obra publicada, com uma atenção particular nas relações luso-americanas, tema em que se converteu no maior especialista nacional.

Recordo-me que, há poucos meses, no pátio da Universidade Nova, tive uma conversa com o Tiago sobre Rui Rio, ainda a montante do anúncio da decisão deste de se candidatar à liderança do PSD. Notei a leitura positiva que fez sobre o perfil político daquele que agora é líder da oposição e como contrariou alguns argumentos críticos que eu então adiantei sobre ele.

Tiago Moreira de Sá surgiu ontem no Conselho Estratégico do novo PSD de Rui Rio, responsável pela área das Relações Externas. Dificilmente o principal partido da oposição poderia ter encontrado uma figura mais competente e com uma visão clara sobre os interesses nacionais naquele domínio. Digo isto com a maior sinceridade.

Desejo ao Tiago, nas novas e futuras funções, todas as felicidades que forem compatíveis com o meu desejo político de que o PSD se mantenha, por muitos e bons anos, na oposição. É que, com gente da sua qualidade a titular essa mesma oposição, as coisas tornam-se bem mais difíceis para quem pensa como eu...

Um forte abraço, Tiago!

A segunda fronteira da Rússia

Barack Obama afirmou um dia que a Rússia se tinha transformado numa potência regional. Tecnicamente, a “boutade” provocatória podia ter algum sentido, mas a região a que o antigo presidente americano se referia era então muito mais limitada do que aquela em que poder militar de Moscovo hoje se afirma. Por ironia, iriam ser as inconsequentes opções políticas do próprio Obama que acabariam por oferecer à Rússia um papel central numa área geopolítica onde a sua presença era até então bem menos relevante: o Médio Oriente. 

Obama herdou um mundo em que os Estados Unidos vinham a tentar libertar-se do custo político-militar de uma ocupação arbitrária do Iraque, sem mandato internacional, com as desastrosas consequências que isso veio a ter no equilíbrio estratégico da região. As pessoas podem já ter esquecido o Estado Islâmico, mas essa sinistra organização, responsável por inomináveis barbáries e por um proselitismo fanático que a Europa sentiu na pele, foi uma óbvia consequência dos vazios de poder gerados por aquela ação. E o perigoso “tandem” entre os turcos e os curdos mais não é do que uma decorrência disso mesmo.

Em cenários de elevada tensão, a vida internacional há muito que ensinou que há equilíbrios em que é irresponsável tocar, sob pena do resultado de uma rotura poder vir a desencadear efeitos mais gravosos do que a situação precedente. No limite, há mesmo que ter o realismo de admitir que determinados problemas não têm uma visível solução. Nesse caso, a sensatez recomenda que nos habituemos a viver com a existência dos conflitos, apenas garantindo que a sua baixa intensidade é preservada, sem prejuízo de continuar a tentar resolvê-los. 

Os Estados Unidos, contudo, parece não terem aprendido a lição do Iraque. Derrubar ditadores e provocar mudanças de regime é sempre uma opção tentadora e, em geral, traz aplausos fáceis. Mas o dia seguinte é imprevisível, como a História o tem demonstrado. George W. Bush colocou a América a cometer esse erro. E Obama repetiu, noutra escala: veio a dar cobertura ao grave erro estratégico de dois impulsivos líderes europeus que embarcaram numa acção na Líbia que, ninguém hoje o duvida, tornou a emenda bem pior que o soneto. O caos no Sahel e o agravamento exponencial do drama das migrações transmediterrânicas resultou diretamente daí. 

Convirá recordar que a aventura líbia havia sido abençoada por um mandato do Conselho de Segurança da ONU, aprovado com luz verde da Rússia. Mas o facto dos poderes ocidentais terem ultrapassado tal mandato, que simplesmente previa a defesa da Cirenaica contra a agressão da Tripolitânia, aproveitando para se verem livres de Kadhafi, fez a Rússia aprender a lição. Por isso, quando Assad, na Síria, esmagou violentamente os alvores de uma “primavera” política, a Rússia não permitiu, com o seu veto na ONU, a repetição do cenário. Terá feito isso apenas por “amor” a Assad? 

A Rússia não tem menos receio do que os ocidentais no tocante aos riscos do extremismo islâmico. Receia que uma eventual afastamento do poder de Assad possa vir a converter o espaço da Síria num terreno vizinho de instabilidade. Moscovo já percebeu que os EUA – e os seus aliados da NATO – vão deixar um caos no Afeganistão, onde foram à caça legítima dos responsáveis pelo 11 de setembro, e que isso acabará por sobrar para eles. Do Médio Oriente ao Cáucaso, que é a sua fronteira sul, a Rússia sabe que é um passo muito curto – e já viu o que sucedeu na Chechénia, no Daguestão e na Ossétia do Norte. O islamismo radical espreita também a Rússia na fragilidade da Ásia Central.

O poder em Moscovo explora o sentimento de humilhação que os russos sentem pela derrota na Guerra Fria. E usa bem o espetro de cerco que derivou da chegada da NATO e da União Europeia a escassas centenas de quilómetros da sua capital. Depois da descarada tentativa ocidental de instabilizar a Ucrânia em seu favor, a Rússia “empatou” o jogo por ali, criando um “conflito congelado”. Mas percebeu que vale mais ser temida do que respeitada. Já tinha testado os ocidentais na Geórgia, e ganhou. Tomou a Crimeia com um custo razoável – as sanções e o afastamento do G8. A Síria transformou-se agora na sua segunda fronteira. 

Não perceber a Rússia é meio caminho andado para não a conseguir enfrentar.

“The Economist”


A guerra dos outros


Anteontem, ao final do dia, alguém me dizia: “Vamos ver se já há imagens do ataque à Síria”, que se presumia para essa noite. Mas a pessoa ia fazer “zapping”, para ver o resumo alargado do Real-Juve.

É impressionante o modo quase indiferente como o nosso mundo olha, nos dias de hoje, para o risco real de guerra que se perfila no Médio Oriente. 

Leem-se as notícias, as bravatas twitadas pelo presidente americano e tudo nos parece uma realidade quase virtual, que nunca nos afetará. Ouviu-se Putin anunciar, com deslumbre tecnológico, um mar de armas “inteligentes” e ficou-nos a sensação de estar a ver um documentário de conquistas científicas. 

As gerações europeias que aí estão perderam, por completo, a memória da guerra e, por isso, nem sequer a imaginam plausível. A guerra, para os europeus contemporâneos, é sempre a guerra dos outros. O mais próximo que a sentiram, foi nos Balcãs ou no leste da Ucrânia. Banalizaram, pela televisão, os mortos alheios no Iraque ou no Afeganistão, a tragédia síria, o caos líbio. E, por terem visto os Estados Unidos e a Rússia a lançar mísseis à distância, e a enviar drones para proceder a “extra-judicial killings”, acham que tudo se passará sempre com essa “limpeza” estratégica. E, claro, com as vítimas de que nunca conhecerão os nomes.

E, no entanto, de há muito que uma guerra não estava tão próxima. Não sabemos que tipo de guerra, não sabemos mesmo se haverá alguma, e, se houver, o que ela poderá vir a ser. Pensamo-la sempre limitada, distante de nós, como se houvesse um escudo protetor que dela nos afastasse. E, inconscientemente, excluímos um conflito nuclear, pensamos que a dissuasão o afasta do cenário de hipóteses. Damos por adquirido que o poder militar limite está sempre em mãos responsáveis.

Ora, no caso americano, a guerra ou a sua ausência estão nas mãos de um megalómano desequilibrado, cada vez mais rodeado de belicistas. No terreno russo, num autocrata que tem menos fatores de controlo do que tinham os dirigentes soviéticos ao tempo da Guerra Fria. Em seu torno, para além de um assassino sanguinário que, na Síria, segue as passadas criminosas do pai, encontramos hoje um líder turco com ambições desmedidas e incontroladas e aquele que é, talvez, o mais radical dirigente na história de Israel. A isso se soma a tensão extremada entre o Irão e a Arábia Saudita.

O mundo está perigoso. Com sorte, a guerra não virá. Sem ela, poderá surgir. Com grande azar, poderá envolver-nos. Em qualquer caso, não a vemos chegar.

quinta-feira, abril 12, 2018

Mau!


Então fartaram-se de se queixar da seca e agora, que a chuva aí está a compensá-la, andam a protestar que nunca mais deixa de chover?! Que país de mal-agradecidos!

quarta-feira, abril 11, 2018

Cunha Rego



É hoje apresentada uma antologia de textos de Victor Cunha Rego.

Cunha Rego é uma figura que me habituei a detestar politicamente. Por razões assumidamente ideológicas. Sempre o vi a representar quase tudo aquilo com que eu não concordava. Não o conheci pessoalmente e tenho a firme convicção de que nos teríamos dado mal, se acaso isso tivesse acontecido. Mas li muito do que escreveu e disse publicamente e julgo que conheço bem, por testemunhos vários, os diversos tempos do seu percurso. Reconheço-o como um patriota, um homem muito inteligente, uma figura culta, com uma escrita límpida. 

Nasceu politicamente de uma esquerda com toques maoístas, sempre anti-soviética, passando depois para o socialismo reformista, deste para uma postura progressivamente liberal, acabando num conservadorismo radical, com nuances quase místicas. Foi um cético e também, à sua maneira, um snobe, sobranceiro nas ideias, porque tinha em alta valia as suas próprias convicções. Creditam-se-lhe os amores, melhor, as paixões, os arrebatamentos, femininos e políticos. Foi fiel apenas a si próprio, ao seu ego e à sua coerência íntima. Não é coisa pouca, convenhamos, mas não chega para o fazer entrar numa História em que teve um papel entre portas, de conselheiro discreto, muitas vezes frustrado, do poder do ciclo.

Esteve com o “reviralho” português no Brasil, ao tempo de Delgado e Galvão. Veio a juntar-se ao PS de Soares, sempre “pela direita”. Alinhou com a conspiração de Spínola, no 11 de março de 1975, figura por quem tinha uma manifesta atração. Depois de ter sido embaixador de Soares em Madrid, foi seduzido por Sá Carneiro, andou pela AD, “assaltou” ao seu serviço a RTP, apoiou Soares Carneiro contra Eanes, afastou-se deste. 

Enquistou-se depois no Portugal conservador, ao lado dos estrangeirados ácidos e dos “vencidos da vida” a quem o país não deu o palco que achavam merecer. O Estado era o seu inimigo permanente, quem o combatesse tinha o seu crédito garantido. Teve presença relevante na imprensa, até quase ao final dos seus dias. Morreu sem “éclat” público, mas é reverado ainda hoje pelos seus amigos.

Não creio entrar em nenhuma contradição se disser que estamos perante uma personalidade muito interessante, quase de exceção, uma figura intelectual de grande qualidade. E uma bela pena, o que me diz muito. Porém, a sua ideia do país, do seu futuro e das opções para lá chegar - e, em especial, com quem contar para isso - está muito longe de ser a minha. 

Comprei, já há semanas, o “pavé” de quase 900 páginas onde, sob um título magnífico - “Na prática a teoria é outra” - são coletados textos seus desde o histórico “Diário Ilustrado” até tempos mais recentes, com muitos inéditos. Está lá muito do que nos permite fazer hoje o retrato do autor. Devem faltar algumas coisas dos tempos mais idos - e é pena. Seria importante termos uma visão mais representativa deste virtuoso da escrita, deste “Maquiavel” da democracia que temos, que também foi construída graças a gente como ele mas, igualmente, apesar deles.

terça-feira, abril 10, 2018

Universidade Nova de Lisboa

Encerrou-se ontem o meu mandato de quatro anos como membro externo do Conselho de Faculdade, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa. 

Foi para mim uma experiência muito interessante e enriquecedora, que veio a somar-se à que já tinha tido, por período idêntico, como presidente do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Desejo aos novos órgãos eleitos para o Conselho de Faculdade os maiores sucessos, na condução da magnífica estrutura universitária que é a FCSH, sob a muito competente direção do professor Francisco Caramelo. Na sua pessoa, quero testemunhar o gosto que tive em poder ser útil à instituição, de que sou admirador e onde só deixei novos e velhos amigos.

O desastre e o presidente

Ontem, ao ver os três telejornais das 20 horas (por “truque”, uns começam mais cedo) interroguei-me sobre a informação a que, nos dias de hoje, temos direito.

Os três canais hesitaram entre dar destaque de abertura à patética novela mexicana em que se transformou a presidência do Sporting ou à tragédia que envolveu uns inconscientes que foram andar de parapente para o Meco. Escuso de referir as prioridades editoriais da CMTV.

Ontem, dia 9 de abril, celebrava-se o centenário daquela que foi uma das batalhas mais trágicas da história das forças armadas portuguesas. Num gesto raríssimo, o chefe de Estado francês, acompanhado do seu homólogo português e do chefe do governo, deslocaram-se ao cemitério da Flandres em estão os que se sacrificaram pela pátria. A comunidade portuguesa em França, a mais significativa em número em todo o mundo, ficou extremamente prestigiada pelo gesto do presidente francês.

Mas as nossas televisões remeteram as suas peças sobre o evento em Richebourg para o meio da “tabela” dos seus telejornais. Para a informação dos três canais, o ”desastre” não foi La Lys, foi o Meco, e o “presidente” que mereceu destaque foi BdC, não Marcelo ou Macron.

O papel da imprensa





À sede da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), em Viena, tinham chegado repetidas informações segundo as quais, no Quirguistão, um país da Ásia Central, a oposição se via impedida de publicar a sua própria imprensa. O embaixador desse país junto da OSCE negava a existência dessas dificuldades e a missão local da organização transmitia-nos versões contraditórias.

Por essa razão, o grupo de cinco embaixadores, que eu integrava, e que nesse ano de 2004 se deslocou a toda região, numa “fact-finding mission”, levou o assunto na sua agenda.

Os cinco Estados da Ásia Central (Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Usebequistão), resultantes de antigas Repúblicas da União Soviética, tendo embora diferenças entre si, são todos regidos por regimes de contornos ditatoriais, com as liberdades públicas mais ou menos postas em causa, nalguns casos de forma muito grave. Mas todos pretendem ter credenciais democráticas e defendem-se de quem os acuse do contrário. Porém, os direitos das oposições, bem como das instituições independentes da sociedade civil, são fortemente limitados. Em nenhum deles, por exemplo, as vozes adversas ao poder são admitidas nas televisões, sob vários pretextos, com a lisura nos processos eleitorais a ser também geralmente contestada. Por isso, a plausibilidade da acusação era muito elevada.

À nossa chegada a Bishkek, capital do país, fomos recebidos pelo respetivo ministro dos Negócios Estrangeiros e colocámos abertamente a questão. A reação foi perentória, quase indignada: não havia a menor limitação à publicação de jornais da oposição. Ora essa! E citou legislação que, na sua perspetiva, fundamentava a posição do governo.

No dia seguinte, tivemos um encontro com os líderes da oposição quirguiz. Nem todos, porque alguns estavam na prisão... Confrontámo-los com as afirmações do ministro. Um deles, com um sorriso triste, disse-nos: “De facto, a lei não nos impede de publicar um jornal e até já tínhamos conseguido garantir uma tipografia disposta a imprimi-lo. Mas surgiu um problema impossível de resolver”. Ficámos suspensos do resto da narrativa do homem. “Não há papel!”.

“Não há papel, como?!”. A explicação era muito simples: o governo controlava administrativamente as importações, nesse país onde não existiam fábricas de papel. A lista dos importadores autorizados era baseada no “histórico” de aquisição pelos jornals existentes, que esgotavam a 100% as quotas de papel autorizadas. Argumentando com a balança de pagamentos, o governo não deixava importar mais papel. Por isso, eram “perfeitamente” autorizados os jornais, só que não havia “matéria” onde fazê-lo.

É talvez por isso que se diz que o “papel” da imprensa é “difícil”.

segunda-feira, abril 09, 2018

Richebourg


Um excelente momento para a comunidade portuguesa em França

O “9 de abril”


Na minha adolescência, todos os anos, pela primavera, no dia 9 de abril, uma cerimónia tinha lugar em frente a minha casa, em Vila Real. Com alguma tropa, pompa e autoridades, o monumento a Carvalho Araújo, um valente marinheiro vilarrealense, que havia sido morto por um bombardeamento da Marinha alemã, em 1918, quando o seu navio protegia um barco de passageiros em pleno Atlântico, era coberto de coroas de flores. Era assim que Vila Real honrava a memória de muitos transmontanos que, nessa que era a data da batalha de La Lys, tinham morrido pela pátria.

Nas vésperas, a Liga dos Combatentes da Grande Guerra andava pelas casas e cafés a pedir alguma ajuda financeira, dando em troca uns pequenos capacetes verde-e-preto, com um alfinete, para colocar na lapela. A Legião Portuguesa, a partir de certa altura, passou a intervir nessa ação. (Lembro-me bem da indignação do meu pai: “Estes tipos da Situação querem ficar com a História para eles”).

No seio das figuras que faziam parte regular desta celebração anual, lembro-me bem de um velhote que se evidenciava pelo elevado número de medalhas que trazia ao peito. Havia também por ali alguns outros soldados da guerra 14/18, mas o mais medalhado destava-se. Era Aníbal Augusto Milhais, dito o “soldado Milhões”, de Murça, que se distinguira como ninguém pelo seu heroísmo naquela terrível batalha na Flandres francesa. Era o único que possuia a Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração nacional. Morreu em 1970.

Hoje, 100 anos depois da batalha de Lys, é justo recordá-lo.

domingo, abril 08, 2018

Paris - Roubaix



Não me perdoarei o suficiente por nunca me ter mobilizado, quando vivi em França, para acompanhar a prova ciclística Paris-Roubaix, grande parte da qual feita em terreno empedrado ou do género que a imagem mostra. Cheguei a ter um convite do “maire” de Roubaix para o evento e não o aproveitei. E até com esse grande fã e conhecedor do ciclismo que é Eduardo Marçal Grilo apalavrei uma jornada para ver a prova.

No dia de hoje, dia do evento, não perco a cobertura televisiva deste espetáculo de um ciclismo já pouco comum e que nos remete para a “pré-história” da modalidade.

A idade e as ideias

A idade das pessoas que Rui Rio convidou para o seu Conselho Estratégico está a ser objeto de comentários negativos, em setores de imprensa claramente ligados à defunta direção de Passos Coelho. Isso fez-me lembrar uma curiosa história.

Creio estar ainda na memória de muitos uma questão, trazida a público por Bagão Felix, há já alguns anos. Num determinado momento, alguém deu conta que, da forma como uma determinada legislação elaborada durante a governação de Passos Coelho estava redigida, tornava-se impossível a um aposentado da função pública exercer qualquer outro cargo dependente de nomeação do Estado. 

Uma lei anterior, já do tempo do governo de José Sócrates, impedia que quem usufruísse de uma pensão de aposentação pudesse ter uma ocupação remunerada no Estado. Algumas exceções havia, mas essa era a regra. O princípio era, em si mesmo, eticamente justificável: abria-se a possibilidade de dar emprego a novas pessoas. Nada a objetar, portanto.

Porém, a tal legislação posterior, publicada pela direita então no poder, ia mais longe. Na letra dessa lei, mesmo lugares não remunerados passavam a estar abrangidos, pelo que tarefas de natureza consultiva - repito, “pro bono” - passavam a ser proibidas. A questão colocou-se a muitas pessoas que se haviam disponibilizado a colaborar benevolamente com várias entidade públicas, nomeadamente nos Conselhos Gerais de universidades. É que, nos termos dessa legislação, poderia ser-lhes suspendida a sua pensão de aposentação, por estarem a exercer outra função pública ... embora gratuitamente! 

Bagão Felix suscitou publicamente a questão, que foi controvertida na imprensa por uns dias, e o executivo de Passos Coelho lá recuou, já não sei por que forma de aclaração da legislação. Foi dito tratar-se de um “erro”. E tudo voltou à estaca zero: apenas ficaram abrangidas as funções remuneradas.

Tempos mais tarde, comentei casualmente o assunto com alguém, jovem, ligado ao governo de Passos Coelho. E obtive uma revelação interessante: não tinha sido “erro” nenhum, tinha sido uma decisão maturada e tomada em plena consciência. Com dois objetivos.

O primeiro objetivo era reservar para os “mais novos” esses lugares, mesmo que não pagos. Porquê? Porque ao ingressarem nessas funções, ainda que sem remuneração, essas pessoas iam ganhando linhas formais de “experiência”, o que lhes permitiria darem progressiva substância aos seus “curricula vitae” e, nessa lógica, iam criando “lastro” para ascensão a futuros lugares remunerados. 

Notei ao meu interlocutor que, dessa forma, ficava em absoluto posto de lado o interesse em usufruir da experiência de quem tinha tido carreiras ricas e se mostrava disponível para partilhar as “lessons learned”, sem quaisquer encargos. 

E foi então que tive uma surpresa ainda maior. É que esse era, precisamente, um segundo objetivo da medida “jeuniste”: pretendia-se evitar que quem vinha do “passado” pudesse “poluir” as instituições com as suas ideias “retrógradas”, dando assim “lugar ao novos”, como se o novo fosse, sempre e necessariamente, só por ser novo, melhor que o antigo.

Tem graça lembrar isto, agora que o PDS, para a definição das suas políticas, está a chamar gente mais experiente. Este será, pelos vistos, mais um contraste nas filosofias que se defrontam dentro do PSD.

Maduro e a democracia

Ver aqui .